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Interfaces: Tecnologias e Humanidades durante a "sindemia"
21/12/2020
"Fala-se hoje em "sindemia", termo proposto pelo antropólogo, médico e professor de Antropologia da Universidade de Connecticut, Merrill Singer. O modelo sindêmico de saúde concentra-se no complexo biossocial, que consiste em doenças interativas, co-presentes ou sequenciais e nos fatores sociais, econômicos e ambientais que promovem e potencializam os efeitos negativos da interação de doenças. Falaremos a partir de agora em "sindemia", aceitando todo o contexto biopsicossocial da COVID-19."
O paradoxo da relação entre tecnologias e humanidades foi desnudado durante a pandemia. Temas que se demonstravam antagônicos apresentam-se como complementares em tempos de vulnerabilidade sóciorrelacional.
Há sempre uma forte crítica à interferência da tecnologia nos relacionamentos inter-humanos, humanos-planeta e humanos-universo. A ubiquidade e a pervasividade high-tech da Ciência invadiu as vidas dos indivíduos, customizando de modo inexorável o processo do viver no Século XXI neste planeta.
A disruptura social do evento pandêmico parece ter acelerado em algumas décadas upgrades relacionais entre o natural e artificial, no que tange inteligências. A conversa flui melhor entre campos, antes antagônicos, do humano e do tecnológico, do natural e do artificial. Há uma abertura de um novo portal de comunicação, que dá conta de preencher lacunas no cotidiano das pessoas engaioladas em clusters propostos por políticas públicas confusas, em nível global, de enfrentamento à esta pandemia.
Cabe um parêntese aqui sobre as políticas de enfrentamento à esta virose global. A confusão nas diretrizes é pautada por um tumulto sem precedentes na Ciência, que demonstra com pesquisas, razoavelmente bem conduzidas, evidências contraditórias sobre diversos aspectos diagnósticos biológicos, epidemiológicos e terapêuticos da doença. Há uma confusão nos meios de informação, com conflitos de interesses nunca vistos na história pós-Descartes.
Pensando em contemporaneidades, fala-se hoje em "sindemia", termo proposto pelo antropólogo, médico e professor de Antropologia da Universidade de Connecticut, Merrill Singer. O modelo sindêmico de saúde concentra-se no complexo biossocial, que consiste em doenças interativas, co-presentes ou sequenciais e nos fatores sociais, econômicos e ambientais que promovem e potencializam os efeitos negativos da interação de doenças[1]. Falaremos a partir de agora em "sindemia", aceitando todo o contexto biopsicossocial da COVID-19.
Levy (2010)[2] escreve que a comunicação digital, pela interconexão de mensagens em um ciberespaço, promove meios para a criação coletiva, confluindo no que o autor chama de inteligência coletiva. É gerada por um verdadeiro movimento social, por meio de comunidades virtuais. Vislumbra-se, deste modo, um leque de possibilidades de relações virtuais humanizadas, como evidenciado pela telemedicina.
Nos primórdios do lockdown, o caos dominou todos os aspectos sociais, desde as relações interpessoais às trabalhistas, educacionais e de saúde. Naquele momento, a interface se apresentou. Tecnologia e humanidades se alinharam e, em pouco tempo, surgiu um "novo normal". Situações que levariam, talvez, décadas para se tornarem cotidianas, em semanas foram consolidadas. Falamos em home office, ensino remoto e telemedicina, além da potencialização das redes sociais e do jornalismo digital.
As relações trabalhistas, em alguns setores, jamais retornarão ao status anterior, pois o trabalho no estilo presencial foi enxergado como "não a única possibilidade". O slogan "fica em casa" impactou neste campo social de modo a promover "re(des)arranjos" em múltiplos setores. Percebeu-se, além da possibilidade do trabalho em casa, a ¿desnecessidade¿ da presença do trabalhador em um espaço físico definido como "empresa". A relação não mais é representada por carga horária, mas por produtividade, no local e tempo mais adequado à fisiologia do artífice.
Foram modificadas, ainda, as atividades ditas essenciais, onde há necessidade da presença física do operário. Nestas situações, provavelmente, nunca mais seremos os mesmos. Será agregada uma série de regramentos de segurança relacionados à proteção individual e coletiva.
Adicionalmente, notamos a presença de um terceiro setor na escala laboral: aqueles que promovem ou facilitam as ações de isolamento. O segmento das entregas, representado, por exemplo, pelos motoboys, que possibilitam o "ficar em casa" ou o "ficar mais em casa", ao mesmo tempo, necessitam aderir a medidas de autoproteção e limitação de propagação do vírus.
As redes sociais digitais se tornaram o receptáculo do suprimento de várias necessidades humanas. O isolamento nunca foi tão compartilhado. A comunicação ficou mais "viral" do que antes. Parece que as pessoas têm mais tempo de se comunicar ou interagir. Houve uma explosão de notícias e informações. Cientistas, especialistas e jornalistas de plantão em todos os lares, em todos os grupos digitais. A Verdade nunca foi tão científica e a Ciência nunca foi tão confusa.
A confusão científica parece ser causada pela corrida em ser o primeiro a informar ou descobrir, frequentemente, com viés econômico, político ou ideológico. O método científico evaporou-se e etapas importantes foram abduzidas. Estudos realizados por grupos valorosos ou publicados em periódicos de impacto informam em um assustador nível de desinformação. Descartes tremeu!!!
A imprensa está em guerra, entre ela própria e contra seu verdadeiro propósito de informar com imparcialidade. Jornalistas se transformaram da noite para o dia em experts sobre temas como epidemiologia ou virologia. Definem, descobrem, diagnosticam, tratam... mas informam pouco e mal!!!
O ensino à distância saiu dos holofotes do preconceito, passando à solução e ferramenta indispensável no modo presente e futuro da configuração do processo ensino-aprendizagem. Educadores e educandos, integrados, adaptando-se, aprendendo e ensinando sobre tecnologias e ferramentas educacionais digitais. Em algum momento do futuro, será percebido que houve um incremento nas competências neste período. Sim, pouca perda no quesito conteúdo, mas ganho em aquisição de habilidades e atitudes. Simplesmente a educação do futuro, baseada em competências, também permitindo sua aquisição no modo remoto.
A telemedicina, de polêmica, passou a ser um potente e valioso instrumento de atendimento, mas sobretudo de acolhimento em momentos de isolamento. Demonstrou-se uma poderosa ferramenta de promoção da saúde, fortalecendo vínculos entre os atores do processo, mostrando que a utilização das tecnologias de informação e comunicação podem, ao contrário do que frequentemente se apregoa, fortalecer a humanização nas relações médico-paciente.
Ainda no viés da telemedicina e entendendo a literacia digital como uma poderosa fermenta na promoção de saúde, o curso de Medicina da UNIDAVI planejou o projeto de extensão "Ações de Telemedicina", que utiliza a Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) no acolhimento à comunidade como alternativa à visita domiciliar convencional. Consiste em oferecer acolhimento e orientação sobre práticas e cuidados saudáveis aos usuários dos serviços de Atenção Primária em Saúde (APS) do município de Rio do Sul/SC durante a pandemia do Covid-19.
A sindemia rompeu antagonismos e vocifera por reflexões profundas no campo científico, digital e humano. Olhares sobre dilemas antropológicos serão redirecionados e enxergarão propostas inimagináveis em uma futuridade próxima, quando será possível conceber a tecnologia social como divisor de águas neste breve espaço temporal da história.
Augusto Fey
Professor da UNIDAVI em estágio de pós-doutoramento na UFRGS
fey@unidavi.edu.br
Fonte: Rede Covid-19